segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Devaneios Literários





Os ponteiros do relógio do Pátio da Igreja de São Pedro se cruzaram novamente bem perto das 11 horas manhã. Trabalhavam mecanicamente alheios ao calor nordestino naquela segunda-feira de outubro. Entre o vazio de dezenas de bancos de madeira perfilados no ladrilhado piso da catedral pernambucana, uma senhora de cabelos longos e grisalhos sebosos amarrados na ponta por um elástico, buscava conforto na imensidão do silêncio. Olhava fixamente para a imagem do corpo de Jesus de Nazaré esticado na cruz suspensa no alto de uma das colunas da centenária igreja. Sua história podia ser contada pelos pés. Os dedos acaroçados e de unhas grossas arrastavam lentamente de um lado para o outro um par de havaianas surradas. Deixara no chão uma sacola de pano com algumas peças de roupas e uma boneca nua sem cabeça. Aquela senhora, com cara de avó, parecia sentir na alma as chagas de cristo. Alguns acentos a frente um homem de pele mulata, não muito velho, mais de idade indefinida, ajoelhava e unia as mãos em clemência. Num aplicado murmúrio, movendo continuamente seus beiçudos lábios, encaixava a cabeça entre os braços e dali a pouco a ergui e olhava para mesma imagem nos fundos da igreja. Não mais continha o fluxo de lágrimas. Estava seguro de que só a casa de Deus poderia entender seu sofrimento. O toc-toc seco de um tamanco ecoou no silêncio celestial. Uma morena espichada de finos traços tentando controlar o volume de seu espanhol entrou por uma das portas laterais trazendo pendurada no pescoço uma máquina digital. Transparecia no jeito inquieto em que se comunicava com a amiga, que viajava mais para colecionar imagens do que para vivenciá-las. Clicou a arte barroca como se congelasse a foto de muro rebocado.


Das escadarias saia uma praça rusticamente cimentada e de pouco verde. À sombra da única árvore mais volumosa que dava para calçada, um quarteto de senhores, sentados ao redor de uma improvisada mesa sustentada por caixotes de madeira, viviam aquela manhã pelas pedras do dominó. Mastigando um cigarro de palha de canto da boca, um senhor de um amarelado cabelo branco e pele assustadoramente vincada pelo sol, estava seguro que fizera a jogada certeira. Olhou por alguns segundos as peças dispostas em uma de suas mãos, se certificou das combinações de pedras abertas na mesa e se deliciou com um olhar despudorado para os companheiros de peleja ao estalar uma das peças na mesa e soltar num acentuado pernambuquês: “Nem em Caruaru um cabra arretado abre esse três”. Enfrente a um enferrujado bebedouro que a conta gotas trazia para seu bico quem cruzasse a praça na abafada manhã, uma jovem de perna roliça e pele jambosa deixava escapar em sutis expressões faciais que se comunicava em pensamento com o desabrochar da paixão. Sentada no banco que trazia em vermelho no encosto os dizeres “Recife, a Veneza Brasileira”, acariciava ao sabor de um mundo sem tic tac, os longos cabelos escuros jogados ao peito e, pacientemente, fio a fio, quebrava as pontas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Reflexões



É nóis! É nóis mano! O resto que se f...
Ouvi a expressão hoje, enquanto esperava o elevador depois da minha hora de almoço. Veio de um grupo de jovens não muito distantes de mim. Gíria? Expressão de outra geração? Voz da moçada? Sei lá! Talvez. Nada tão sério também, mas me fez refletir sobre algo que cada vez menos nos importamos: Os outros. O que nos interessa gravita apenas na órbita do nosso umbigo. A barriga que ronca, a voz reprimida no peito que apenas clama por um ouvido ou a dor física que pede um anestésico, não é problema nosso. O lado serve apenas para apontar direita ou esquerda.

Hoje eu também caminhava pela larga calçada da avenida Paulista, quando quase fui atropelado por um homem que acelerava o passo sei lá pra onde. Trazia nas costas uma mochila, provavelmente com todos os seus problemas. Seus olhos esbugalhados procuravam o vácuo entre a multidão mais o cegava diante da enternecedora imagem do vendedor ambulante que, encostado na parede de um estacionamento, descansava o que lhe restava de um corpo no rasgado acento de sua cadeira de rodas. Será que o farol vermelho da próxima esquina conseguiu pará-lo?

Mais uma: Existe local mais lotado que uma farmácia na hora do almoço? Estamos cada vez mais doentes.

É nois!!!!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Dedilhar



Vou tentar dedilhar, soltar algumas palavras. Eu preciso!! Ficar muito tempo sem escrever me adoece, me traz mais dúvidas sobre tudo. Fico inseguro, chato, nem eu mesmo me agüento. Meu pensamento me judia, me coloca algemas e me arrasta para um mundo cartesiano, cinzento, feito de concreto. Perco a mim mesmo e viro um burocrata da vida.

É claro que não vou ignorar esse meu período de janelão fechado. Voltei da Nova Zelândia há pouco mais de um mês e agora estou morando temporariamente num pequeno flat onde não é preciso caminhar para se chegar à sala, ao quarto e ao banheiro. Basta virar meu corpo para qualquer lado. A janela é daquele tipo de correr para frente, deixando meu ambiente um pouco sufocado. Sempre fui uma pessoa de curtir a casa, de buscar ambientes para ler e escrever. Na verdade, acho que estou com vontade de escancarar um janelão. Preciso de horizonte. De olhar perdido para o nada
....

Agora há pouco me encontrei com o espelho. Enquanto a toalha corria pelo meu corpo enxugando minha pele que ardia depois de um delicioso banho quente, meu olhar foi atraído por ele mesmo. Fui parando lentamente todos os meu movimentos do meu corpo. A imagem que vinha de dentro daquele objeto emoldurado de metal polido que ocupa quase todo meu banheiro, me atraiu. Parei por alguns minutos e fique apenas observando a mim mesmo. De vez em quando a imagem se transpunha multiplicando inúmeras vezes a minha face. Tive a sensação de estar olhando a minha história, uma seqüência de episódios que me constituía. Os 37 anos de minha vida estavam ali, naquela imagem ou, naquelas imagens. Primeiro vi algumas manchas, um rosto angustiado, cara de abandonado. Depois me tranqüilizei ao ver que minha face também trazia um sorriso, uma força quem vem das veias do coração. Alegria. Uma vida, enfim, misturada com um pouco de tudo como são as vidas.

Olhar para a minha história naquele momento me fez lembrar também da vida de Dona Lindalva, que conheci na sexta-feira passada, enquanto cobria um evento com o presidente Lula em Diadema, na Grande São Paulo. Ela foi uma das 252 pessoas contempladas com um apartamento do Conjunto Habitacional da Favela Naval. A primeira imagem do espelho da dona Lindalva era indescritível. Sua felicidade era tamanha, que o largo sorriso se sobrepôs as suas outras faces de desespero dos últimos 10 anos, período em que perdeu o marido de uma doença degenerativa e um dos quatros filhos, morto na guerra do tráfico. Seu corpo tremia nitidamente, não pelo frio chuvoso que fazia naquela manhã e tão pouco por estar vestindo apenas uma surrada saia com um chinelo de dedo, mas de emoção. Parecia que dona Lindanva estava sendo apresentada a felicidade pela primeira vez. Ao pegar as chaves da mão do presidente Lula, ela não agüentou. Caiu em lágrimas. Deu um abraço no seu conterrâneo pernambucano e não soltou mais. Dona Lindalva queria aquele momento pra sempre.

Depois da solenidade, eu conversei com Dona Lindalva, que ainda estava em estado de graça. Me contou com um sorriso largo que o seu futuro apartamento teria quase 40 metros e que dali para frente, seria fácil acomodar seus três filhos, uma nora, e outros três netos. Não tive como não pensar no meu flat. Quase 35 metros, só pra mim. Dá até para correr!!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

trip








Finalmente estou dando as caras. Estive viajando por duas semanas pela ilha sul da Nova Zelândia. Junto com três colegas, dois espanhois e um brasileiro, pecorremos quase três mil quilômetros. O lugar é fantástico!!!!!! As fotos falam por sí só. Fiquei totalmente desligado do mundo. Pena que as férias prolongadas estão acabando.

sábado, 24 de abril de 2010

Cidade do vento






Sempre tive uma relação muito íntima com o vento. Lembro-me que

quando criança gostava de subir nas serras e nas encostas do mar

para senti-lo mais intensamente. Adorava a forma como ele brincava

com meus cabelos e tocava meu rosto. Queria enxergá-lo. Os anos se

passaram e minha afinidade com ele só aumentou. Continuo sem

vê-lo é verdade. Mas o escuto sempre que preciso. Basta senti-lo

para muitas vezes me encontrar. O vento me mostra que estou vivo.

Que sou humano.



Nesse ponto acho que escolhi a cidade certa para este período

de férias prolongadas e de tantas mudanças. Devido aos fortes ventos

que sopram do Estreito de Cook, a cidade é

conhecida pelos neozelandeses como Windy Wellington (a

Wellington dos Ventos). Posso dizer que estou em casa. E com

um grande amigo.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Caminhar






Hoje eu andei. Andei mesmo! Sei lá por quanto tempo. Achei que

encontraria, atrás das colinas de Wellington, as respostas para

muitas das minhas indagações. Elas vieram comigo. Atravessaram

o mundo no mesmo vôo. Ainda bem que as passadas desta noite

foram lentas, assim pude perceber que muitas respostas estavam no

próprio caminho, no contato do vento com o meu rosto, no cheiro

do mar e nas luzes da cidade que dormia.



Minhas pernas me conduziram até um píer, a uns bons quarteirões

ao norte de meu apartamento. Perdi a noção do tempo. Não havia

ninguém. Atrás de mim os pequenos prédios a beira mar. Diante de

meus olhos, um oceano infinito. O vento veio forte e não pensei duas vezes.

Levantei-me e abri meus braços empurrando meu peito a

frente. Tive vontade de gritar, mas me contive. Optei por escutar o

que as ondas tinham para me falar. Fui tomado por uma forte

emoção. O nó saiu do peito chegando até garganta. As primeiras

lagrimas desceram pelos meus olhos. Não consegui segurar. E olha

que eu achei que tivesse deixado todas, ou pelo menos boa parte

delas, no divã!!!!!!

sábado, 10 de abril de 2010

Estou aqui






Completei ontem uma semana em terras kiwis. A ansiedade pela viagem e a oportunidade de conhecer algo novo me transformaram quase num desbravador nestes primeiros dias. Parecia um colonizador chegando para “Fazer a América”. Não me contentava com “apenas” duas refeições ao dia (digo dois restaurantes), queria quatro e de preferência um de cada cozinha. A comida aqui é bemmmm diferente!!! Pisei nos dois parques e nas praias que circundam a cidade já nas primeiras horas (que exagero!!!!). Mas acho normal e agora já desacelerei um pouco.

Comecei a estudar inglês na terça-feira. Estou numa classe com trocentosss japonês, chinês, coreano, taiwanês, tailandês e assim vai. Só eu de brasileiro, pelo menos isso. As aulas são puxadas, começam às 9h e vão até as 15h15, com um intervalo de uma hora para o almoço. Na parte de gramática estou sofrendo bastante para acompanhar a turma. Normalmente os orientais vão muito bem na parte gramatical, mas quando vão falar, oh my god!!!! Não entendo quase nada!!! Mas está sendo legal. Quando vou almoçar com algum deles parece conversa de surdo e mudo. Só querem saber de caipirinha, capoeira e futebol. Não preciso nem dizer que sou o mais velho da turma, o “uncle” Patrick. Mas estou me divertindo..

Praticar o inglês está me levando também a fazer tudo aquilo que no meu dia-a-dia eu sempre evitei em São Paulo, ainda mais trabalhando na avenida Paulista e com horário apertado. Em Wellington virei o “exemplo” de gentileza para aqueles “market researchers” (acho que é isso em inglês!!!), que ficam no centro da cidade fazendo levantamento de opnião junto as pessoas. Ontem até me engajei também numa campanha “For the love of pigs”, contra o confinamento dos filhotes de porcos nas fazendas do país. Pode!!!!! Na semana que vem estou pensando em me confessar com um “priest” da igreja bem ao lado do flat onde estou hospedado. Se ele tiver tempo será uma longa conversa!!

Sei que estou escrevendo bem menos do que gostaria, mas confesso que tenho dedicado boa parte do meu tempo para realmente praticar o inglês e conhecer o país. Na semana que vem devo viajar no final-de-semana para alguma cidade aqui da ilha norte. Devo deixar mais para o final das minhas “férias” a visita para a Ilha Sul, onde estão as cidades de Chrischurch e Queenstown.

Postei algumas fotos de Wellington, a cidade onde estou. Linda, linda, linda.

domingo, 4 de abril de 2010

Cheguei





A viagem foi longa e cansativa, mas eu já esperava. Foram 24 horas de vôo com duas trocas de avião. Realmente é perfeita a expressão que a Karina sempre usa quando alguém lhe diz que vai para a Nova Zelândia: “Quer dizer que virá para o fim do mundo”. As duas ilhas que compõe o território do país ficam bem ao sul da Oceania e distantes praticamente de tudo. Os únicos países próximos são Austrália, Ilhas Fuji e Ilhas Samoa. Só para se ter uma idéia, o neozelandês para viajar para a Europa, leva mais de 20 horas e outras 20 e tantas para outros países da América.

Mas o país é lindo. Estou há poucas horas na Nova Zelândia e a impressão é a melhor possível. Desembarquei no aeroporto de Wellington às 8h10 do sábado (horário local). Eu ainda nem havia retirado as malas das esteiras, quando vi o Greg e Karina no corredor do saguão. Foi uma sensação bem legal!!! A Karina é uma amiga de muitos anos e que, apesar da distância que nos separa, nunca deixamos de nos falar.

Saímos do aeroporto e fomos diretamente para um café no centro da cidade e depois eles me levaram para um tour por Wellington. Apesar de ser a capital política e cultural da Nova Zelândia, a cidade não é grande. Tem pouco mais de 400 mil habitantes e está localizada bem a sul da Ilha Sul. Muitas casas foram construídas nos morros que circundam a cidade e quase todas com vista para o mar. O centro tem poucos, mas modernos edifícios.

No começo da tarde nos fomos para uma espécie de feira livre, montada num estacionamento de Lower Hutt (cidade vizinha a Wellington). Todas as manhãs de sábado, os produtores rurais da região lotam seus caminhões com frutas, legumes e verduras e comercializam seus produtos. Diferentemente da feira no Brasil (que alias eu adoro!!) aqui na Nova Zelândia não tem aqueles feirantes gritando: “Madame pode levar que está fresquinho!! Só hoje pague uma e leve duas....”. A Karina me disse que os produtores são do interior do país e também muitos maoris – população original da Nova Zelândia (depois vou contar melhor sua história). Tem também muitos moradores das ilhas da região, que chegam as pencas em busca de trabalho por aqui.

Bom, é isso por enquanto.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Nova Zelândia




Embarco dentro de poucas horas. Na mala, não levo mais do que alguns poucos pares de roupas e sapatos, mas no coração.............. hummm!!!! histórias maravilhosas, amigos queridos e um patrimônio que dinheiro nenhum compra. É meu
Misturo uma sensação de ansiedade e felicidade. É claro, estou vivo!!!
Embarco para um sonho!!!!!!!!!!!!!!!!.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O elevador









A seta do elevador estralou apontando sua luz para cima quando ela passou pelo primeiro portão da garagem com seu andar curto, porém veloz. Quase caindo do lado direito do ombro trazia uma bolsa grande de cor verde meio desbotado e alguns penduricalhos no pescoço e um bracelete com filetes de madeira indígena no pequeno braço esquerdo. Antes de passar o cartão pela catraca, esbaforida soltou: - sobe!!!!

Ele, com sua alta estatura distribuída num terno cinza recém vestido e gravata com o nó por finalizar esticou o braço entre as duas portas confiando no sensor do aparelho. Deslocou para o lado a pasta que trazia na outra mão e a observou entrar. O espelho que revestia aquele pequeno espaço lhe permitiu olhá-la por todos os ângulos. A porta se fechou e o aroma de um suave perfume se misturou ao inconfundível cheiro de cabelo lavado há pouco. Assim que o elevador começou a ganhar os primeiros andares o olhar de ambos já transpassava os corpos. Bolsas e pastas foram ao chão. Os lábios se encontraram, se espremeram em maciez carnuda. Pernas se entrecruzaram, rasgando em intensidade. As línguas molhadas pelo silêncio daquela manhã de outono salivavam em excitação. O beijo era tórrido. Tudo registrado pela pequena câmera no canto do teto.

A sete estralou anunciando a chegada do andar. Era hora de trabalhar
.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Meu palco







Hoje me encontrei com Clarice. A Lispector. Literalmente mergulhei na sensibilidade de seu mundo para achar o meu. Aproveitei minha hora de almoço nesse interminável plantão de feriado (ainda falta amanhã) para me jogar puff da Fnac. Escolhi o livro “A Descoberta do Mundo”, uma coletânea de crônicas escritas por ela nos anos 70, um diário de bordo de sua vida. E que vida fantástica


Pincei ali uma frase que sintetiza muito bem o que quero falar hoje: “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato”. Estou experimentando um momento novo. Não me lembro de passar tanto tempo sozinho como nestes últimos três meses. É um “sozinho” que em nada tem haver som solidão e tristeza. Muito pelo contrário, nunca estive tão bem acompanhado como agora. Tenho tido uma relação franca e aberta comigo mesmo. Descobri um ótimo interlocutor. E na hora certa.


Não foram poucas as vezes que me vi sorrindo por algo aparentemente banal, singelo, sem sentido. Ontem mesmo, enquanto a água borbulhava no calor da espagueteira para amolecer um apetitoso fetuccini, a música que vinha da sala amaciou meu coração e despertou meus sentidos mais profundos. A canção entrou pela minha pele ganhando cada célula de meu corpo que explodiu em reações químicas. Ofereci-me ao momento. Chacoalhei a cintura e desrosquiei a tampa de meu diafragma, deixando uma voz emergir para uma platéia formada por panelas, pratos e eletrodomésticos. A cozinha virou meu palco. Meu mundo. A imagem contemplativa de Iemanjá no aparador do corredor se surpreendeu, mas não demorou muito para abrir seus braços e me chamar para dançar. Eram nove da noite de um sábado chuvoso em São Paulo. Momento inesquecível!!!


Não sei explicar muito bem tudo isso que vem acontecendo em minha vida. Mas a Clarice Lispector sabe. Passo-lhe a bola. A bola não, a caneta: “........É nesse silêncio profundo que se esconde minha imensa vontade de gritar”. Às vezes acho que estou sonhando. Belisco-me para ver se é verdade.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Novas rotinas






Uau, que dia!!!! Finalmente uma manhã de sol. Já não agüentava mais tanta água. Li ontem no jornal que nas últimas três semanas tem chovido todos os dias. Estava com saudade de escancarar meu janelão. Acabei de abri-lo por inteiro, de ponta a ponta. O primeiro contato com o dia não poderia ser melhor. O vento tocou meu rosto mal enxugado, me proporcionando uma prazerosa sensação de frescor. Despertei. Ao mesmo tempo, atrás de mim, na pequena mesa de centro, folhas de papel rabiscadas e cinzas de cigarrilhas voaram ao chão. Pior: caíram no tapete. Dei de ombro e continuei em pé olhando o horizonte. Meu deu vontade de ouvir The Cranberries. A voz suave de Dolores O’Riodan com suas letras quase que poéticas, seria uma boa pedida para a ensolarada manhã.


Tenho escrito pouco nos últimos dias. Mas não sem motivo. Estou cobrindo as férias de um colega na rádio o que tem me exigido algumas horas a mais de trabalho. Estou acordando mais cedo do que de costume e a noite, quando o ponteiro do relógio vai chegando perto das 22h, meu corpo já começa a dar mais atenção ao lençol do que o intelecto. A nova rotina tem me obrigado a ler mais jornais. É a forma que encontro para me preparar melhor para as entrevistas e a apresentação do jornal da tarde, na Jovem Pan. Confesso que não é o tipo de leitura que tem me agradado ultimamente. Muito pelo contrário. Mas este é assunto para uma outra ocasião.


Agora há pouco, ainda no quarto antes de me despertar de vez, fiquei pensando sobre as novas rotinas e sensações que estou vivendo dentro de minha casa, agora como um recém separado. A mais estranha delas é acordar sozinho numa cama de casal não estando mais casado. Tem algo de muito diferente. Dormir sozinho num objeto projetado a princípio para dois corpos pode parecer mais confortável e espaçoso. E é de fato. Dá para dormir até de atravessado se quiser. Mas quando se trata daquela cama com quem se compartilhou uma vida a dois durante alguns anos, o seu espaço vai continuar sendo somente aquele que se tinha antes de dormir só. A outra metade não me pertence. É incrível! Desde que me separei, todas as noites entro pelo mesmo lado da cama. Sem que me dê conta, meu corpo se ajeita à esquerda, como se pressentisse que o outro lado tem seu dono. E o interessante é que, mesmo durante um sono profundo, meu corpo não avança, não se deixa esparramar além de seu limite. É como se existisse uma linha imaginária, dividindo-a ao meio. Tem sido comum acordar com só um lado da cama desarrumado.


A cama é exemplo mais emblemático das pequenas mudanças que estou experimentando nestas últimas semanas. Agora mesmo, ao tomar o café-da-manhã, me deu conta que só sento à mesa da cozinha, do lado do armário. A cadeira junto à janela está intacta a dias. O sofazão da sala é outro exemplo. Só assisto televisão deitando-me do lado da parede do corredor. Os pés preferem ficar encolhidos a ocuparem a outra metade. Gozando, né?


Acho que a casa está muito grande para mim. Vou começar a procurar um apartamento.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Encontro





Acordei há pouco. Cedo até. A chuva fina, mas constante, invadiu a manhã deste primeiro sábado do ano. Escorria suavemente do telhado para trepadeira numa sinfonia de gotas até chegar ao chão. Melodia da existência para os ouvidos. Oferecia preguiça. Ainda me joguei pela cama por mais alguns minutos, mas logo despertei. O relógio marcava 10 horas. Resolvi escrever. Estava fresco na memória o encontro que tivera no dia anterior com um colega, que há muitos anos não via. O papo me trouxe boas lembranças do passado e ao mesmo tempo, descortinou o meu presente.


Conheci o Marcelo na época da Faculdade, quando eu estava começando a trabalhar na Jovem Pan. A paixão pelo Corinthians e pela noite paulistana nos aproximou. Ele também tinha morado no interior. Entre a labuta diária e os estudos, nossas agendas se dividiam entre festas, mulheres e os jogos do Timão no Pacaembu. É claro, sempre regado a muita bebida. Descobríamos a cidade grande dando passagem à sede de nossos espiritos inquietos.


Ao telefone, no dia anterior, lhe disse que havia me separado há pouco e que minha vida ganhava novos contornos. Marcelo chegou ao bar pronto para ouvir, talvez, um pouco daquele amigo que havia conhecido em meados dos anos 90. Alguém que não se importava muito em trocar de namorada a cada nova lua. Um cara que só dava vazão aos seus conflitos internos quando explodia em raiva ao ver seu time perder para o arqui-rival Palmeiras.


Marcelo também havia casado. Não como eu, de “véu e grinalda”. Preferiu juntar os trapos. E por duas vezes. A última, no ano passado, foi conturbada. Seu relato me fez lembrar as cenas das muitas separações entre Emmanuelle Seigner (maravilhosa) e Peter Coyote, no filme Lua de Fel, de Roman Polanski: relação de amor e ódio. Não queria saber mais de relacionamento sério. Descreveu seu momento: “estou saindo com uma garota de meu trabalho e de vez enquanto dou uma escapada com ex”.


Entre um chope e outro, não demorou muito para meu amigo me indagar: "E você cara, pegando alguém? ”. Antes que respondesse, ainda disparou: “Deve estar tirando o atraso”. Marcelo acompanhou de muito longe o meu casamento. Também não quis ir muito a fundo. Estávamos ali para matar a saudade, relembramos histórias do passado e rirmos um pouco. Acendi minha cigarrilha e joguei no ar a sinceridade: “Não, não fiquei com ninguém desde que separei. Alias, pouco tenho saído. Estou mais trabalhando e fazendo alguns cursos. Também tenho gostado de escrever “. À medida que ia narrando minha rotina nas últimas semanas, fui percebendo um novo rosto do outro lado da mesa. Ficou engraçado!. Primeiro sua sobrancelha arqueou. Depois a boca encolheu. Seus olhos pareciam ver um Ser de outro planeta a sua frente. Diante da reação, ainda poupei de fazê-lo ouvir que tinha ido ao cinema sozinho no dia anterior. Marcelo despencaria da cadeira. Evitei que perguntasse ao garçom o que ele havia colocado na minha bebida”,tal era o grau de sua suspresa com minha resposta.


O papo, rolou por algumas horas. Reencontrei o mesmo Marcelo de antes, um pouco mais careca é verdade – lutava contra uma calvicie precoce desde da Faculdade. Talvez ele tenha divido a mesa do bar com um novo Patrick, ou “Patricão”, como gostava de me chamar. Mas não importa. Cada um vive sua realidade. Suas histórias. Suas transformações. Seus momentos. O que valeu mesmo foi encontro entre dois amigos que a vida resolveu separar um pouco. Mas não por muito tempo. Deixamos o bar prometendo nos encontrar em breve. Não esquecemos, é claro, que 2010 é ano do centenário do nosso clube de coração. Vamos pular e gritar. Agora, na mesma sintonia. Que venha a tão sonhada Libertadores.