sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O Aikido e o Corpo




Cheguei até o aikido através de uma amiga, que via na sua prática uma forma de eu conseguir desenvolver a meditação ativa, algo que poderia me ser útil nessa fase de tantas transformações em minha vida. As artes marciais de uma forma geral ajudam na disciplina, no autocontrole e no equilíbrio, mas o aikido vai um pouco além, introduzindo na sua essência, uma interessante pitada filosófica. Seu fundador, Morihei Ueshiba (1883-1969) sempre dizia a seus discípulos: “Sem filosofia, não há Aikido”. Mestre Ueshiba foi um supremo artista marcial, mas sua busca durante a vida foi mais espiritual do que marcial. Quem me conhece, sabe desse meu lado mais holístico, até muitas vezes exageradamente místico, então não seria muito difícil gostar de uma atividade que busca integrar corpo e espírito além de uma interação com os outros seres humanos de uma maneira mais harmoniosa.

Parti então para a busca de um dojô – local onde se treinam artes marciais. Bastou um google na tela de meu computador para surgir ali pelo menos uma dezena de endereços esparramados por São Paulo. Pela localização, selecionei dois nomes e liguei. No primeiro contato a coisa não fluiu. Logo em seguida disquei para o segundo número. Do outro lado da linha uma voz feminina cativante me apresentou o espaço e me convidou para uma aula experimental. Dois dias depois subi as escadas que me levaram para o Aikido Nova Era, na Rua Augusta. A mesma voz que me atendera ao telefone naquela quarta-feira, estava na recepção. Apresentou-se como Lila e pediu para que eu me trocasse. Vesti rapidamente um moletom e uma camiseta e fui para o tatame, quando, para minha surpresa, bem ao centro, estava a agora, Sensei Lila. Devidamente trajada com um kimono branco, envolto com o hakama – uma espécie de calça preta semelhante a uma saia, usada pelos aikidoistas mais graduados – ela conversava com alguns alunos antes do início da aula.

O treino começou pontualmente no horário previsto. Depois de um forte aquecimento, comecei a conhecer, na prática, os golpes e as defesas dessa arte marcial tão especial. Com uma fala pausada e um sorriso permanente em seu rosto, Lila Sensei, escorada em anos de experiência num dojô – acredito que mais de duas décadas -, nos mostrava toda a circularidade e plasticidade dos movimentos. Como um pião, seu corpo descrevia um movimento sempre harmonioso, em forma de zig-zag, mas nem por isso os golpes deixavam de ser cheios de vigor e energia, aplicados sempre ao princípio de não-resistência e da abstenção da força bruta. Assim, me foi apresentado o aikidô.

Voltei na semana seguinte, agora já com meu kimono e mais ambientado. Tentei aplicar alguns golpes. Cai. Levantei. Rolei. Suei. Sentei. Ouvi. Praticamente não percebi aquela uma hora e meia de treinamento. Exausto e ainda me sentindo um pouco estranho com o kimono – nunca havia vestido nada igual na vida – fui tomar um copo d’água – um não, vários!!!!!!!. Ao lado do bebedouro, agora sentada numa cadeira, Sensei Lila, acabara de falar ao telefone, quando comecei a puxar assunto, fazendo um relato da minha impressão nas primeiras aulas. Com uma gentileza impar – comuns as pessoas que sabem dar ao tempo o seu devido valor – ela me disse que eu tinha até um rolamento bonito (oba) – e que também caia direitinho (olha que achei que eu fosse o cara mais desengonçado do mundo). Depois de uma pausa, fez mais uma observação sobre meu desempenho: “Mas eu notei também uma coisa: toda vez de ir para o kamai – a forma de se posicionar para a luta – você nunca sabe pra que lado seguir, fica perdido, em dúvida, não se acha”. Bingo!!!! Ela vira na minha forma de apresentar o corpo, com uma observação sutil e em poucos segundos, o retrato da minha vida. Não é que meu corpo estava me mostrando o que o meu self já percebia! Incrível, não? Sai do treino aquele dia caminhando pela rua refletindo sobre o ocorrido. Mais um sinal nesta minha caminhada me foi mostrado e de uma forma genuína, pura.

E assim, caindo e levantando, já estou há três meses no aikido. Confesso que até agora consegui memorizar pouquíssimos nomes de golpes e movimentos – Irimi kaiten, tenkan, yokomen uchi, Irimi nage e assim vai -, mas... não importa!!. O que vale mesmo agora é estar ali, compartilhando, aprendendo ou simplesmente observando. Valeu aikido!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Eu, o Lula e os Catadores de Papel




Era para ser mais uma cobertura presidencial. Depois de mais de 10 anos entre as editorias de política e economia, confesso que ultimamente poucas reportagens têm me motivado. Além de ligeiramente cansado com o “hard news”, a ciclotimia política já não me convence. Cheguei ao pavilhão do Mart Center na última quinta-feira, onde aconteceu a abertura do Expocatadores 2009 - encontro mundial do movimento dos catadores de materiais reciclados -, um pouco atrasado. Passei pelo detector de metal – obrigatório nos eventos presidenciais – e segui direto para o cercado da imprensa. O sol escaldante que fazia lá fora transpassava pelo telhado de zinco do enorme salão, transformando o ambiente numa verdadeira sauna finlandesa. O atraso em mais de uma hora da cerimônia me permitiu jogar conversa fora com os colegas sobre amenidades, futebol e música – alias se um dia resolvermos contabilizar o tempo em que nós jornalistas esperamos nas pautas para a execução das matérias, ficaremos assustados com tanto desperdício.

O locutor ocupou seu lugar no púlpito e chamou, uma a uma, todas as autoridades para início do evento. Aqueles discursos chatos de ministros, presidentes de estatais e de parlamentares, recheados de retórica que não combinavam com ambiente, cançaram a paciência do povão. Todos ali aguardavam ansiosamente para ver e ouvir, a figura daquele que tão bem sintetiza a cara desse Brasil brasileiro, mulato inzoneiro como cantou Ari Barroso em outros versos imortais: o Presidente Lula.

Antes de seguir com o relato quero deixar claro que tenho muita crítica à Lula e ao seu partido, mas não sou daqueles que nutrem um preconceito mesquinho e idiota como boa parte da elite burguesa, que até hoje não se conforma que um retirante nordestino e torneiro mecânico esteja habitando, há 7 anos, o Palácio do Planalto. Como jornalista, cobri as duas eleições que levaram lula à presidência da republica – 2002 e 2006 – e o que sempre me intrigou foi a sua capacidade extraordinária de absorver qualquer fonte de ensinamento que existe a sua volta – viajando pelo país, conversando com o povo, convivendo com intelectuais ou com empresários. Talvez esteja aí uma das explicações para sua alta popularidade.

Bom, depois de mais de duas horas de espera, para a alegria daquela gente, Lula começou a falar. Como sempre usou as metáforas do futebol para explicar a economia, as relações familiares para se referir à política, mas o ponto mais marcante - e o que motivou esse artigo – foi quando no final do discurso, Lula, após um gole d’água naquele verdadeiro Saara, se virou para nós jornalistas e disse: “Eu queria pedir a vocês que esquecessem a pauta dos editores pela primeira vez na vida. Deixem as questões políticas, as repercussões disso ou daquilo para uma outra ocasião. Sugiro que se ‘embrenhem’ nessa multidão atrás de vocês. Ouçam o que eles tem para falar. Não precisa interpretar. Apenas escutem e escrevam suas histórias de vida. Vocês vão ter a oportunidade de mergulhar na verdadeira alma do povo brasileiro”. Ele falou com um conhecimento de causa, como se buscasse na memória sua infância sofrida no sertão nordestino e naqueles 13 dias de viagem num pau-de-arara, até a chegar à cidade grande, em meados dos anos 50.

Enquanto ele falava desloquei minha atenção para a grade de ferro, há poucos metros de onde estavam os cinegrafistas e fotógrafos. Prensados num canto do salão, vi ao mesmo tempo uns dez rostos colados uns aos outros. O retrato era de um povo sofrido, marcado pelas injustiças e malesas sociais. Mas o dia para eles era de festa. Por alguns segundos fiquei apenas observando a admiração daquela gente pela figura do presidente. De certa forma todos se identificavam com Lula. Ele era o legítimo representante.

Depois de meia hora de discurso o evento chegara ao fim. Mas o melhor ainda estava por vir. Literalmente mergulhei nos braços daquele povo. Explico: Como o motorista da rádio havia me deixado numa rua paralela ao Mart Center, resolvi tentar sair pela lateral, achei que seria mais fácil. Mas parece que o destino queria mesmo que eu atendesse o pedido de Lula. Comecei a andar vagarosamente entre aquelas pessoas por alguns metros, quando bem no meio do salão, tudo ficou travado. Ninguém andava mais para trás e nem para frente. A segurança da presidência havia bloqueado as saídas para o deslocamento da comitiva. Quando me dei conta, estava cercado pelos catadores de papel. Uma foto naquele momento captaria um “engravatado” entre centenas de pessoas humildes. Não resisti ao momento. Pelo contrario, me entreguei. Comecei a ouvir histórias e conversar com aquela gente.

O seu José aparecido, que tinha vindo de Cuiabá no dia anterior, foi o primeiro. Com uma alegria entusiasmante me contara que desde o mês passado, percorria as ruas de sua cidade com um novo carrinho, desenvolvido por um grupo de estudantes da universidade local. A nova “máquina”, tinha até um compartimento, onde podia deixar sua marmita. Sem que perguntasse, uma senhora, de pele mulata, que trazia no rosto vincado as marcas do trabalho de sol a sol nas ruas de Salvador, disse que seu trabalho havia melhorado nos últimos meses, depois da chegada da cooperativa dos catadores de papel. “Olha moço, Deus sabe o que já passei nessa vida. Perdi meu marido há 10 anos por causa da bebida, mas graças a essas pernas e braços que consegui criar meus quatro filhos”, me contou com orgulho a dona Dalva, de mãos dadas com a filha mais velha, que graças ao financiamento da passagem pelos organizadores do evento, pode acompanhar a mãe desde a Bahia. Naqueles 20 minutos que fiquei por ali, ainda ouvi outras histórias bonitas e cativantes de um povo pobre e sofrido, mas que com todas as suas agruras ainda encontra tempo para sonhar e sorrir.

Confesso que deixei o local um pouco mais emotivo do que já sou diariamente. Também sai dali, sem nenhum trocadilho, mais rico. Rico de alma e acreditando cada vez mais na essência desse povo brasileiro.

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