quinta-feira, 22 de julho de 2010

Dedilhar



Vou tentar dedilhar, soltar algumas palavras. Eu preciso!! Ficar muito tempo sem escrever me adoece, me traz mais dúvidas sobre tudo. Fico inseguro, chato, nem eu mesmo me agüento. Meu pensamento me judia, me coloca algemas e me arrasta para um mundo cartesiano, cinzento, feito de concreto. Perco a mim mesmo e viro um burocrata da vida.

É claro que não vou ignorar esse meu período de janelão fechado. Voltei da Nova Zelândia há pouco mais de um mês e agora estou morando temporariamente num pequeno flat onde não é preciso caminhar para se chegar à sala, ao quarto e ao banheiro. Basta virar meu corpo para qualquer lado. A janela é daquele tipo de correr para frente, deixando meu ambiente um pouco sufocado. Sempre fui uma pessoa de curtir a casa, de buscar ambientes para ler e escrever. Na verdade, acho que estou com vontade de escancarar um janelão. Preciso de horizonte. De olhar perdido para o nada
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Agora há pouco me encontrei com o espelho. Enquanto a toalha corria pelo meu corpo enxugando minha pele que ardia depois de um delicioso banho quente, meu olhar foi atraído por ele mesmo. Fui parando lentamente todos os meu movimentos do meu corpo. A imagem que vinha de dentro daquele objeto emoldurado de metal polido que ocupa quase todo meu banheiro, me atraiu. Parei por alguns minutos e fique apenas observando a mim mesmo. De vez em quando a imagem se transpunha multiplicando inúmeras vezes a minha face. Tive a sensação de estar olhando a minha história, uma seqüência de episódios que me constituía. Os 37 anos de minha vida estavam ali, naquela imagem ou, naquelas imagens. Primeiro vi algumas manchas, um rosto angustiado, cara de abandonado. Depois me tranqüilizei ao ver que minha face também trazia um sorriso, uma força quem vem das veias do coração. Alegria. Uma vida, enfim, misturada com um pouco de tudo como são as vidas.

Olhar para a minha história naquele momento me fez lembrar também da vida de Dona Lindalva, que conheci na sexta-feira passada, enquanto cobria um evento com o presidente Lula em Diadema, na Grande São Paulo. Ela foi uma das 252 pessoas contempladas com um apartamento do Conjunto Habitacional da Favela Naval. A primeira imagem do espelho da dona Lindalva era indescritível. Sua felicidade era tamanha, que o largo sorriso se sobrepôs as suas outras faces de desespero dos últimos 10 anos, período em que perdeu o marido de uma doença degenerativa e um dos quatros filhos, morto na guerra do tráfico. Seu corpo tremia nitidamente, não pelo frio chuvoso que fazia naquela manhã e tão pouco por estar vestindo apenas uma surrada saia com um chinelo de dedo, mas de emoção. Parecia que dona Lindanva estava sendo apresentada a felicidade pela primeira vez. Ao pegar as chaves da mão do presidente Lula, ela não agüentou. Caiu em lágrimas. Deu um abraço no seu conterrâneo pernambucano e não soltou mais. Dona Lindalva queria aquele momento pra sempre.

Depois da solenidade, eu conversei com Dona Lindalva, que ainda estava em estado de graça. Me contou com um sorriso largo que o seu futuro apartamento teria quase 40 metros e que dali para frente, seria fácil acomodar seus três filhos, uma nora, e outros três netos. Não tive como não pensar no meu flat. Quase 35 metros, só pra mim. Dá até para correr!!

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