sábado, 31 de outubro de 2009

UM ADIVINHO ME DISSE




Eu o conheci despretensiosamente. Caminhava pelos corredores da livraria da Fnac, como faço quase que diariamente após o almoço, quando parei na seção de Viagem. Entre guias de estradas, livros de roteiros pela Europa e pelo Brasil, encontrei ali na estante um pequeno – não tão pequeno assim – tesouro literário. Sabe esses livros que te tocam, que fazem ver a vida por um outro aspecto e com uma riqueza de alma profunda, além de um texto brilhante? Pois é, foi isso que descobri em “Um adivinho me disse”, do jornalista italiano Tiziano Terzani, que conta o ano mais inusitado de sua vida.

Terzani viveu mais de 20 anos na Ásia como correspondente internacional escrevendo para diversos jornais e revistas da Europa. Viu de perto todo o processo de ocidentalização do Oriente e a mudança do modelo cultural de uma parte do mundo mergulhada num forte misticismo.

Levado a Hong Kong por uma amiga no final dos anos 70 acabou passando por uma consulta com um adivinho de grande reputação na região. Impressionado com o relato do guru sobre vários aspectos de sua vida, ouviu que não deveria voar no ano de 1993, pois iria morrer. Para um jornalista internacional não poder se descolar de um país para o outro de avião, era praticamente impossível exercer sua profissão.

Passado mais de uma década e meia, o fatídico ano de 93 chegara. Disposto a não dar “sopa para azar” Terzani resolve ouvir os conselhos daquele homem que o havia sentenciado no passado. Começa a nascer então “Um adivinho me disse”. O jornalista decide transformar aquele alerta numa experiência jornalística única: continua a cobrir as notícias como sempre fizera, mas agora se deliciando com a lentidão das viagens por terra e mar.

Durante um ano, a bordo de motocicletas, ônibus, trens e navios, Tiziano Terzani nos presenteia com relatos riquíssimos, onde ao mesmo tempo em que investiga a arte milenar dos adivinhos, descreve uma civilização que está se suicidando ao perseguir um modelo cultural que nunca lhe pertenceu.

Acrescentando uma pitada de poesia na própria vida, de olhar para o mundo com novos olhos, de descobrir que o sol nasce, que existe lua no céu e que o tempo não é só aquele medido pelos relógios, Terzani parte para uma viagem incrível durante doze meses.


Fique tão encantado com livro, que já o reli pela segunda vez. A cada página pude descobrir também a alma de um jornalista brilhante, que tão bem descreve a essência dessa profissão em um dos capítulos de seu livro “Um adivinho me disse”.

“Este é um aspecto do trabalho do jornalista que nunca deixa me fascinar e inquietar: que os fatos não relatados não existem. Quantos massacres, quantos terremotos acontecem no mundo, quantos navios afundam, quantos vulcões entram em erupção e quantas pessoas são perseguidas, torturada e assassinadas. Mas se não há alguém ali para ver, para descrever, para fazer uma foto que deixe traços em um livro, é como se esses fatos jamais tivessem acontecido, esse sofrimento todo não tem importância, não tem lugar na História. Porque a História existe apenas se alguém a conta. É uma triste constatação, mas é assim a vida; e talvez seja precisamente essa idéia - a idéia que com cada pequena descrição de algo observado o repórter pode deixar uma semente no terreno da memória - que me mantém amarrado à minha profissão”.



Tiziano Terzani morreu em 2004, aos 65 anos, vítima de um câncer. O livro "Um Adivinho me Disse" foi o único publicado em Português. No entanto, ao longo de mais de 40 anos de profissão, o jornalista escreveu outros 10 livros, editados em diversas línguas. Poucos meses antes de morrer, Terzani finaliza "Lá Fine È Mio Inizio" (O Fim É o Meu Começo), onde narra ao seu filho, suas histórias mais íntimas ao longo de sua vida. Sem dúvida nenhuma a história de um homem que viajou muito para descobrir que o verdadeiro mestre se encontra dentro de cada um de nós. No site www.tizianoterzani.com é possível conhecer um pouco mais de sua biografia.







"