domingo, 24 de janeiro de 2010

Meu palco







Hoje me encontrei com Clarice. A Lispector. Literalmente mergulhei na sensibilidade de seu mundo para achar o meu. Aproveitei minha hora de almoço nesse interminável plantão de feriado (ainda falta amanhã) para me jogar puff da Fnac. Escolhi o livro “A Descoberta do Mundo”, uma coletânea de crônicas escritas por ela nos anos 70, um diário de bordo de sua vida. E que vida fantástica


Pincei ali uma frase que sintetiza muito bem o que quero falar hoje: “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato”. Estou experimentando um momento novo. Não me lembro de passar tanto tempo sozinho como nestes últimos três meses. É um “sozinho” que em nada tem haver som solidão e tristeza. Muito pelo contrário, nunca estive tão bem acompanhado como agora. Tenho tido uma relação franca e aberta comigo mesmo. Descobri um ótimo interlocutor. E na hora certa.


Não foram poucas as vezes que me vi sorrindo por algo aparentemente banal, singelo, sem sentido. Ontem mesmo, enquanto a água borbulhava no calor da espagueteira para amolecer um apetitoso fetuccini, a música que vinha da sala amaciou meu coração e despertou meus sentidos mais profundos. A canção entrou pela minha pele ganhando cada célula de meu corpo que explodiu em reações químicas. Ofereci-me ao momento. Chacoalhei a cintura e desrosquiei a tampa de meu diafragma, deixando uma voz emergir para uma platéia formada por panelas, pratos e eletrodomésticos. A cozinha virou meu palco. Meu mundo. A imagem contemplativa de Iemanjá no aparador do corredor se surpreendeu, mas não demorou muito para abrir seus braços e me chamar para dançar. Eram nove da noite de um sábado chuvoso em São Paulo. Momento inesquecível!!!


Não sei explicar muito bem tudo isso que vem acontecendo em minha vida. Mas a Clarice Lispector sabe. Passo-lhe a bola. A bola não, a caneta: “........É nesse silêncio profundo que se esconde minha imensa vontade de gritar”. Às vezes acho que estou sonhando. Belisco-me para ver se é verdade.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Novas rotinas






Uau, que dia!!!! Finalmente uma manhã de sol. Já não agüentava mais tanta água. Li ontem no jornal que nas últimas três semanas tem chovido todos os dias. Estava com saudade de escancarar meu janelão. Acabei de abri-lo por inteiro, de ponta a ponta. O primeiro contato com o dia não poderia ser melhor. O vento tocou meu rosto mal enxugado, me proporcionando uma prazerosa sensação de frescor. Despertei. Ao mesmo tempo, atrás de mim, na pequena mesa de centro, folhas de papel rabiscadas e cinzas de cigarrilhas voaram ao chão. Pior: caíram no tapete. Dei de ombro e continuei em pé olhando o horizonte. Meu deu vontade de ouvir The Cranberries. A voz suave de Dolores O’Riodan com suas letras quase que poéticas, seria uma boa pedida para a ensolarada manhã.


Tenho escrito pouco nos últimos dias. Mas não sem motivo. Estou cobrindo as férias de um colega na rádio o que tem me exigido algumas horas a mais de trabalho. Estou acordando mais cedo do que de costume e a noite, quando o ponteiro do relógio vai chegando perto das 22h, meu corpo já começa a dar mais atenção ao lençol do que o intelecto. A nova rotina tem me obrigado a ler mais jornais. É a forma que encontro para me preparar melhor para as entrevistas e a apresentação do jornal da tarde, na Jovem Pan. Confesso que não é o tipo de leitura que tem me agradado ultimamente. Muito pelo contrário. Mas este é assunto para uma outra ocasião.


Agora há pouco, ainda no quarto antes de me despertar de vez, fiquei pensando sobre as novas rotinas e sensações que estou vivendo dentro de minha casa, agora como um recém separado. A mais estranha delas é acordar sozinho numa cama de casal não estando mais casado. Tem algo de muito diferente. Dormir sozinho num objeto projetado a princípio para dois corpos pode parecer mais confortável e espaçoso. E é de fato. Dá para dormir até de atravessado se quiser. Mas quando se trata daquela cama com quem se compartilhou uma vida a dois durante alguns anos, o seu espaço vai continuar sendo somente aquele que se tinha antes de dormir só. A outra metade não me pertence. É incrível! Desde que me separei, todas as noites entro pelo mesmo lado da cama. Sem que me dê conta, meu corpo se ajeita à esquerda, como se pressentisse que o outro lado tem seu dono. E o interessante é que, mesmo durante um sono profundo, meu corpo não avança, não se deixa esparramar além de seu limite. É como se existisse uma linha imaginária, dividindo-a ao meio. Tem sido comum acordar com só um lado da cama desarrumado.


A cama é exemplo mais emblemático das pequenas mudanças que estou experimentando nestas últimas semanas. Agora mesmo, ao tomar o café-da-manhã, me deu conta que só sento à mesa da cozinha, do lado do armário. A cadeira junto à janela está intacta a dias. O sofazão da sala é outro exemplo. Só assisto televisão deitando-me do lado da parede do corredor. Os pés preferem ficar encolhidos a ocuparem a outra metade. Gozando, né?


Acho que a casa está muito grande para mim. Vou começar a procurar um apartamento.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Encontro





Acordei há pouco. Cedo até. A chuva fina, mas constante, invadiu a manhã deste primeiro sábado do ano. Escorria suavemente do telhado para trepadeira numa sinfonia de gotas até chegar ao chão. Melodia da existência para os ouvidos. Oferecia preguiça. Ainda me joguei pela cama por mais alguns minutos, mas logo despertei. O relógio marcava 10 horas. Resolvi escrever. Estava fresco na memória o encontro que tivera no dia anterior com um colega, que há muitos anos não via. O papo me trouxe boas lembranças do passado e ao mesmo tempo, descortinou o meu presente.


Conheci o Marcelo na época da Faculdade, quando eu estava começando a trabalhar na Jovem Pan. A paixão pelo Corinthians e pela noite paulistana nos aproximou. Ele também tinha morado no interior. Entre a labuta diária e os estudos, nossas agendas se dividiam entre festas, mulheres e os jogos do Timão no Pacaembu. É claro, sempre regado a muita bebida. Descobríamos a cidade grande dando passagem à sede de nossos espiritos inquietos.


Ao telefone, no dia anterior, lhe disse que havia me separado há pouco e que minha vida ganhava novos contornos. Marcelo chegou ao bar pronto para ouvir, talvez, um pouco daquele amigo que havia conhecido em meados dos anos 90. Alguém que não se importava muito em trocar de namorada a cada nova lua. Um cara que só dava vazão aos seus conflitos internos quando explodia em raiva ao ver seu time perder para o arqui-rival Palmeiras.


Marcelo também havia casado. Não como eu, de “véu e grinalda”. Preferiu juntar os trapos. E por duas vezes. A última, no ano passado, foi conturbada. Seu relato me fez lembrar as cenas das muitas separações entre Emmanuelle Seigner (maravilhosa) e Peter Coyote, no filme Lua de Fel, de Roman Polanski: relação de amor e ódio. Não queria saber mais de relacionamento sério. Descreveu seu momento: “estou saindo com uma garota de meu trabalho e de vez enquanto dou uma escapada com ex”.


Entre um chope e outro, não demorou muito para meu amigo me indagar: "E você cara, pegando alguém? ”. Antes que respondesse, ainda disparou: “Deve estar tirando o atraso”. Marcelo acompanhou de muito longe o meu casamento. Também não quis ir muito a fundo. Estávamos ali para matar a saudade, relembramos histórias do passado e rirmos um pouco. Acendi minha cigarrilha e joguei no ar a sinceridade: “Não, não fiquei com ninguém desde que separei. Alias, pouco tenho saído. Estou mais trabalhando e fazendo alguns cursos. Também tenho gostado de escrever “. À medida que ia narrando minha rotina nas últimas semanas, fui percebendo um novo rosto do outro lado da mesa. Ficou engraçado!. Primeiro sua sobrancelha arqueou. Depois a boca encolheu. Seus olhos pareciam ver um Ser de outro planeta a sua frente. Diante da reação, ainda poupei de fazê-lo ouvir que tinha ido ao cinema sozinho no dia anterior. Marcelo despencaria da cadeira. Evitei que perguntasse ao garçom o que ele havia colocado na minha bebida”,tal era o grau de sua suspresa com minha resposta.


O papo, rolou por algumas horas. Reencontrei o mesmo Marcelo de antes, um pouco mais careca é verdade – lutava contra uma calvicie precoce desde da Faculdade. Talvez ele tenha divido a mesa do bar com um novo Patrick, ou “Patricão”, como gostava de me chamar. Mas não importa. Cada um vive sua realidade. Suas histórias. Suas transformações. Seus momentos. O que valeu mesmo foi encontro entre dois amigos que a vida resolveu separar um pouco. Mas não por muito tempo. Deixamos o bar prometendo nos encontrar em breve. Não esquecemos, é claro, que 2010 é ano do centenário do nosso clube de coração. Vamos pular e gritar. Agora, na mesma sintonia. Que venha a tão sonhada Libertadores.