quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Virar





O relato tinha que ser nascer no último dia mesmo. E, de preferência, nas últimas horas para não deixar escapar nada deste ano tão intenso. Bem que tentei colocá-lo no papel ontem à noite. O ambiente era propicio. Abri o janelão, liguei o som e acendi minha cigarrilha. Ainda fui agraciado com o perfume da dama da noite que invadiu minha sala exalando sua fragrância doce por horas a fio. Não consegui. A mão travou sobre o sulfite branco.


Mas agora cá estou eu nesta manhã de 31 de dezembro para falar de um 2009 transformador. Lembrar que o ano marcou a morte de Michael Jackson, que tivemos apagão, e que o Corinthians foi campeão com Ronaldo (oba), deixo para o plim plim falar mais tarde. A retrospectiva é de minha vida. Sou tomado por uma forte emoção. Entrego-me a ela.


A caneta agora desliza suavemente pelo papel dando formas as palavras que vem do coração. O vermelho de sua tintura escreve no alto da página: “separação”. Depois de quase seis anos casado agora me vejo só. Aos olhos daqueles que enxergam a vitória do amor pela quantidade de bodas, talvez tenha fracassado. Mas desse pensamento já me livrei há um bom tempo. O sucesso ou fracasso de uma vida a dois não se mede pelo tic-tac do relógio. Prefiro a batida do coração. Tive taquicardia. E muitas!


Lembro-me de nosso sorriso que não se permitiu diminuir durante horas, no nosso “Sim” diante de amigos e parentes na capela da PUC lotada, naquela estrelada noite do dia 27 maio de 2004. Que dia mágico. Meu corpo não tinha peso. A insustentável leveza do ser.


A vida nos enxergou grande demais e não quis poupar a juventude de nossas almas. Vivemos todas as faces do amor com sagacidade. O órgão que pulsa em meu peito traz em suas artérias cada segundo de nossa história. Ela existe. Muitas vezes achei que a perderia para algo que não conhecia. Alias, poucos conhecem. Te ver por tanto tempo naquele hospital não foi fácil. Dilacerou-me. Mas nosso amor se transmutou em Golias e derrotou o pior dos cânceres. A jornada foi longa. Poucos acreditavam. Mas vencemos. Emociono-me de lembrar.


Quatro anos depois, a vida nos chama de novo. É hora de seguirmos por estradas diferentes. O bom é que não precisamos pagar pedágio. Nós mesmos é que as construímos. São longas e floridas nas margens. E o caminho é infinito.


O ano de 2009 está terminando. Deparo-me com uma nova paixão: eu mesmo. Só que mais novo. Um bebê. Tenho poucas semanas de vida. E dela, pouco sei. Mas alguém sabe? Não temos poder sobre nada. Absolutamente nada.


Delicio-me agora olhando pela minha janela. No galho da primavera, a poucos metros de onde estou, vejo o ninho de passarinhos. Para lá me transporto. Fico encantado com o zelo daquele pequeno ser por seu filhotinho recém-chegado. Não o tira de suas entranhas por nada. O acaricia a todo momento. Vou tentar fazer o mesmo comigo em 2010.


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