domingo, 20 de dezembro de 2009

O Espelho





"Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, a outra que olha de fora para dentro......... O Alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardo que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou-se de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que falava do posto, nada que me falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado."


Tirei o trecho acima do conto “O Espelho”, de Machado de Assis. Li hoje, logo após acordar. Naquele momento do dia em que a mente ainda não faz muitas perguntas, principalmente num domingo de folga. O espelho do conto é o objeto usado para mostrar os dois lados de nós mesmos. Pelo reflexo da peça a imagem refletida olha para o eu se tornando o outro que olha para o eu. A leitura do texto me fez refletir sobre a saga humana, a duplicidade de nossas almas. Viver essa ambigüidade talvez seja uma grande oportunidade de se encontrar. Ou pelo menos dar o primeiro passo. Precisamos achar nossos espelhos.


Vivemos muitas vezes a vida no piloto automático. As coisas vão acontecendo e não nos damos conta do seu real significado. Por trás de alguns episódios existem muitas mensagens subliminares. É preciso ficar atento. Observar. Sentir. Se permitir. Se isso não ocorrer abriremos um canyon em nós mesmos. Nos distanciamos de quem verdadeiramente somos. Passamos a viver os acontecimentos externos, o dia-a-dia na visão de uma grande maioria míope, que ainda não passou pelo “oculista”.


Mas isso cabe a nós. Somente a nós. Não podemos viver as expectativas dos outros. No começo pode até ser interessante e mais confortável. Ter a admiração alheia nos enche de respeito, nos inclui, nos coloca num pedestal. Mas é falso. O tempo mostra. É implacável. É preciso olhar para o espelho. Conversar com seu Eu. Caso contrario a dor vem forte. Comprime. Adoece. Amargura. Mata.


Mas....... cada um tem seu tempo. Cada espelho tem seu tamanho. Seu brilho. Seu reflexo. E, cada Ser, os seus olhos. Azuis, verdes, castanhos ou mel.................


Nenhum comentário:

Postar um comentário